Superficialidade profunda

domingo, dezembro 01, 2013 Rica Matsu 0 Comentarios



É contraditório o cenário atual de conectividade e solidão ao mesmo tempo. O excesso de informação e o vazio interior. Parece que quanto mais estamos conectados, ficamos mais isolados de um relacionamento genuíno. Existe uma enchente de informações a todo momento que nos submerge nas profundas águas da superficialidade e do sensacionalismo empobrecedor. O resultado de tudo isso é uma vida “chapa branca” com valores sem significado.

Assim já tá bom

Desde crianças que não sabem diferenciar um abacate de um mamão a pessoas que seguem suas vidas baseadas na filosofia do “Assim já tá bom”. A maioria não se interessa em conhecer um assunto, coisa, ou pessoa em um nível mais profundo. Se a música é boa ou não, isso não importa. O importante é que ela esteja na moda, ou nas paradas de sucesso. O que interessa é a marca e não a qualidade do tecido. Os produtos são quase descartáveis, não duram. Os serviços ainda visam lucro fácil regado a esperteza do jeitinho. Os profissionais com seus diplomas feitos para apresentar no dia da posse nos concursos públicos. Estes por sua vez, destinados a estabilidade de uma carreira sem propósito.

Ir além do superficial parece um sacrifício tremendo. É como punição. Dá trabalho! A opção pelo fácil é fácil. A busca pela felicidade se tornou a busca por uma felicidade momentânea. Curta e cada vez mais efêmera. É como comer chocolate. Ali, no nível mais próximo do alcance das mãos. Isso. Sem precisar abaixar para pegar. E a escala dos limites vem baixando a cada dia. Por mais que se preguem as mais verdadeiras filosofias temos respostas como: “E daí?”.

Foi porque Deus quis

Enquanto a maioria dos religiosos orientais - sejam eles budistas, hindus, taoistas etc - buscam conhecer a si mesmo e entender o mundo de maneira profunda, o lado ocidental prega a salvação onde existem “dádivas” que surgem por merecimento. Li um artigo recentemente onde dizia que os ocidentais estão cada vez mais tristes e sem propósito de vida, pois desconhecem uma profundidade espiritual como a do lado oriental do mundo; com todos seus ritos, valores e conceitos cheios de significado. De maneira racional, pode-se dizer que trata-se de optar por conhecer alguma força superior que lhes mostrará o caminho, a descobrir o caminho por si mesmo. Respectivamente, o mais fácil e o mais difícil; o superficial e o profundo. Sem questionar o certo e o errado, a questão é: até onde conhecemos a nós mesmos? Só até a margem? É difícil chegar a níveis mais profundos? Qual a necessidade de chegar a esses níveis?




Filosofia do Jaiminho e outras síndromes

Existe a sensação de que se for dar trabalho demais não vale a pena. Dá preguiça e continuamos a enaltecer a filosofia do Jaiminho: “É porque eu quero evitar a fadiga.” Por outro lado o excesso de informações tira nosso foco e percebemos uma eterna necessidade de ficar atualizados - Síndrome do F5. Difícil não querer dar atenção a tudo e a todos. Talvez consiga através das redes sociais, só que aí lá se vai essa profundidade. O distanciamento físico entre as pessoas não consegue nos entregar seus verdadeiros significados, seus dons, defeitos e virtudes. Essas são características essenciais para nossa sobrevivência. É a necessidade do “AO VIVO”! Mesmo que seja em níveis superficiais, pois, se em contato presencial nossas interações estão precisando ir mais além, imagine em escala virtual. Já se fala até num novo conceito chamado “A nova solidão”.

Boiando na superfície

A programação das redes de televisão é quase o paraíso da superficialidade. Cuidadosamente conseguimos pinçar algum conteúdo que de fato explora um tema em cair na tentação do “assim já tá bom”. Sem deixar de citar aqueles que ainda mascaram sua superficialidade com o intuito de agradar a todos! O mais triste da história é saber que a publicidade, mantenedora desses conteúdos, está cada vez mais pobre. São comerciais onde predomina uma criatividade também superficial para vender produtos, por sua vez, superficiais. Claro, salvo algumas poucas exceções. Tudo regado à obsolescência dos modismos. Aliás, moda é uma invenção muito positiva. Porém deturpada pela maioria de seus criadores.

A superficialidade, infelizmente, está avançando em tudo. Nos relacionamentos amorosos, nas amizades, profissões. Estabelece novos padrões e valores. Lembra-se daquele médico da família? Ele sabia o histórico de saúde do pai, da mãe e de cada um dos irmãos. Conhecia e tratava pessoas. Hoje temos muitos profissionais da medicina que tratam doenças e emergências como em uma oficina automotiva. Aquela coisa de “fiz a minha parte”. Existem vários exemplos onde se segmentaram coisas para tornar mais fácil, mas acabaram superficializando ao invés de especializar. Sem esquecer da terceirização feita sob medida para dispersar responsabilidades. As gerações estão cada vez mais tendenciosas a preferir o superficial. O touch que não toca de verdade. O online que é fake. Dessa forma, é preciso se conformar com a precariedade das coisas e baixar todos os nossos níveis de exigência, mesmo que eles sejam apenas o elementar, ou o de direito. Tudo parece urgente e sem necessidade de significado.


O índio e o espelho

O Brasil parece ser um dos países exemplo de como ser superficial. A memória curta, o jeitinho que ainda predomina. A cobrança das “irregularidades” dos políticos que os próprios cidadãos insistem em cometer. O gasto e o empenho extremo em coisas superficiais e falsas prioridades. O descaso oportunista. O subir no salto, trocado a toda hora, para estar sempre na moda. Tudo é lucro. É ganhar em cima. Tudo é troca por espelhos! A solução pode ser olhar profundamente estes espelhos. Olhar, conhecer e entender o que nos move. E a partir disso explorar tudo que se pode conhecer. Imagine um mundo baseado no escambo do que temos de melhor: do que somos, do que aprendemos e estamos conhecendo. Até ultrapassar os limites de onde um dia pensamos em chegar.

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