Luz, sombra, e baratas?
Caminhava de volta pra casa, depois da corrida
matinal, quando me deparei com um ser vivo no chão da calçada. O dia ainda
estava nublado e o sol se preparava para expulsar todas as nuvens restantes que
lhe obstruíam. Ela se debatia sobre o concreto de um daqueles tijolinhos do
estacionamento da padaria. O efeito da luz do sol deveria ser algo
parecido como pegar uma lupa e direcionar o feixe de luz para uma folha seca
para atear fogo, como naquela brincadeira de menino travesso. Era uma barata!
Em plena luz do dia, paralisada e tonta pelo excesso de luz. E se fossemos nós,
ficaríamos também paralisados?
Na hora lembrei do texto magnífico de Marianne Williamson sobre nosso medo mais profundo. Esse bichinho o qual achamos tão
repugnante e nojento, vive nos escombros há mais de trezentos milhões de anos.
Passou pelo meteoro que dizimou os dinossauros e até hoje está aí se reproduzindo
de maneira 'pragamática'. Mas, basta uma pequena luzinha para se esconder e
evitar o brilho.
Esconder-se da luz é algo importante para pensar.
Podemos estar nos escondendo da luz, como as baratas. Seja luz própria ou
alheia. Há pessoas que se debatem para não mostrar seu
brilho, fogem dos holofotes, esquivam-se das luzes. Embora antagônico,
privam-se e aos outros da sua luz interna. Acabam contendo sua chama ao serem
tolhidos por opiniões que contradizem o senso comum. O escurinho parece
ser mais confortável, ou à meia-luz. Existe uma contradição. Ao mesmo tempo em
que se quer um destaque, querem também uma ocultação, um certo fala baixo.
“É nossa luz,
não nossa escuridão que mais nos assusta.“
Fiquei pensando nisso quando vi a barata. Existe uma escuridão que tem status
de afirmação para muitos jovens. É uma sensação gótica. Hoje, nem nos filmes os vampiros se escondem da luz. Quando o fazem é porque podem literalmente brilhar. É
uma comparação esdrúxula sim. Pessoas e baratas. Mesmo com tantos
comportamentos, dignos de asco, de pessoas que se acham um barato. Não vem ao
caso, isso é julgamento. O que parece é que, assim como nossas amiguinhas de
casca dura, somos ultrassensíveis à luz. Temos também outras coisas em comum.
Às vezes, comemos qualquer coisa sem nenhuma restrição (e por isso, caso alguém
esteja nessas condições e seja esmagado, vai sair aquela massa branca também
(eca!). É a gordura que, ao contrário de nossas amigas antenadas, não protegem nossos órgãos
internos. E quando perdemos a cabeça também conseguimos sobreviver - desta vez
não no sentido literal.
É a sombra que nos segue e não nós
que seguimos a sombra.
Esconder-se da luz é medo, talvez. Tem sido o modo de vida de muitas
pessoas. Usar óculos escuros para proteger-se do sol e ao mesmo tempo impedir
que vejamos o brilho nos olhos; ou ainda para ocultar emoções estampadas no rosto. Ver baratas durante
o dia é sinal de que sua população cresceu tanto que falta lugar para se
esconder. Vivemos numa sociedade que, infelizmente, molda nossos comportamentos
para sermos como baratas. Ao ponto de não aturar a luz externa, não sair ao sol e questionamos
também nossa luz interna. Aí volto na Marianne: “Nós nos perguntamos: quem sou eu para ser brilhante, maravilhoso,
talentoso e fabuloso?” Este pensamento é a coisa mais comum que se
passa na cabeça da grande maioria das pessoas. Vários de nós acreditam MESMO
que uns são mais que os outros, ou vieram aqui para viver nas sombras. Aí que
vem o grande enigma: é a sombra que nos segue e não nós que seguimos a sombra.
rica
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