Superficialidade profunda

É contraditório o cenário atual de conectividade e
solidão ao mesmo tempo. O excesso de informação e o vazio interior. Parece que
quanto mais estamos conectados, ficamos mais isolados de um relacionamento
genuíno. Existe uma enchente de informações a todo momento que nos submerge nas
profundas águas da superficialidade e do sensacionalismo empobrecedor. O resultado
de tudo isso é uma vida “chapa branca” com valores sem significado.
Assim
já tá bom
Desde crianças que não sabem diferenciar um abacate
de um mamão a pessoas que seguem suas vidas baseadas na filosofia do “Assim já tá bom”. A maioria não se
interessa em conhecer um assunto, coisa, ou pessoa em um nível mais profundo.
Se a música é boa ou não, isso não importa. O importante é que ela esteja na
moda, ou nas paradas de sucesso. O que interessa é a marca e não a qualidade do
tecido. Os produtos são quase descartáveis, não duram. Os serviços ainda visam
lucro fácil regado a esperteza do jeitinho. Os profissionais com seus
diplomas feitos para apresentar no dia da posse nos concursos públicos. Estes
por sua vez, destinados a estabilidade de uma carreira sem propósito.
Ir
além do superficial parece
um sacrifício tremendo. É como punição. Dá trabalho! A opção pelo fácil é
fácil. A busca pela felicidade se tornou a busca por uma felicidade momentânea.
Curta e cada vez mais efêmera. É como comer chocolate. Ali, no nível
mais próximo do alcance das mãos. Isso. Sem precisar abaixar para pegar. E a
escala dos limites vem baixando a cada dia. Por mais que se preguem as mais verdadeiras
filosofias temos respostas como: “E daí?”.
Foi
porque Deus quis
Enquanto a maioria dos religiosos orientais - sejam eles
budistas, hindus, taoistas etc - buscam conhecer a si mesmo e entender o mundo
de maneira profunda, o lado ocidental prega a salvação onde existem “dádivas”
que surgem por merecimento. Li um artigo recentemente onde dizia que os
ocidentais estão cada vez mais tristes e sem propósito de vida, pois desconhecem
uma profundidade espiritual como a do lado oriental do mundo; com todos seus
ritos, valores e conceitos cheios de significado. De maneira racional, pode-se
dizer que trata-se de optar por conhecer alguma força superior que lhes
mostrará o caminho, a descobrir o caminho por si mesmo. Respectivamente, o mais
fácil e o mais difícil; o superficial e o profundo. Sem questionar o certo e o
errado, a questão é: até onde conhecemos a nós mesmos? Só até a margem? É
difícil chegar a níveis mais profundos? Qual a necessidade de chegar a esses
níveis?
“Ficaremos cada vez mais indiferentes quando alcançarmos um conhecimento suficiente da superficialidade e da futilidade dos pensamentos, da limitação dos conceitos, da pequenez dos sentimentos, da absurdez das opiniões e do número de erros na maioria das cabeças. ” (Schopenhauer)
Filosofia
do Jaiminho e outras síndromes
Existe a sensação de que se for dar trabalho demais
não vale a pena. Dá preguiça e continuamos a enaltecer a filosofia do Jaiminho:
“É porque eu quero evitar a fadiga.”
Por outro lado o excesso de informações tira nosso foco e percebemos uma eterna
necessidade de ficar atualizados - Síndrome do F5. Difícil não querer
dar atenção a tudo e a todos. Talvez consiga através das redes sociais, só que
aí lá se vai essa profundidade. O distanciamento físico entre as pessoas não
consegue nos entregar seus verdadeiros significados, seus dons, defeitos e
virtudes. Essas são características essenciais para nossa sobrevivência. É
a necessidade do “AO VIVO”! Mesmo que seja em níveis superficiais, pois, se em
contato presencial nossas interações estão precisando ir mais além, imagine em
escala virtual. Já se fala até num novo conceito chamado “A nova solidão”.
Boiando
na superfície
A programação das redes de televisão é quase o paraíso
da superficialidade. Cuidadosamente conseguimos pinçar algum conteúdo que de
fato explora um tema em cair na tentação do “assim já tá bom”. Sem deixar de
citar aqueles que ainda mascaram sua superficialidade com o intuito de
agradar a todos! O mais triste da história é saber que a publicidade,
mantenedora desses conteúdos, está cada vez mais pobre. São comerciais
onde predomina uma criatividade também superficial para vender produtos, por
sua vez, superficiais. Claro, salvo algumas poucas exceções. Tudo regado à obsolescência
dos modismos. Aliás, moda é uma invenção muito positiva. Porém deturpada
pela maioria de seus criadores.
A superficialidade, infelizmente, está avançando
em tudo. Nos relacionamentos amorosos, nas amizades, profissões. Estabelece
novos padrões e valores. Lembra-se daquele médico da família? Ele sabia o
histórico de saúde do pai, da mãe e de cada um dos irmãos. Conhecia e tratava pessoas.
Hoje temos muitos profissionais da medicina que tratam doenças e emergências como
em uma oficina automotiva. Aquela coisa de “fiz
a minha parte”. Existem vários exemplos onde se segmentaram coisas para tornar
mais fácil, mas acabaram superficializando ao invés de especializar. Sem
esquecer da terceirização feita sob medida para dispersar responsabilidades. As
gerações estão cada vez mais tendenciosas a preferir o superficial. O touch
que não toca de verdade. O online que é fake. Dessa forma, é preciso se conformar
com a precariedade das coisas e baixar todos os nossos níveis de exigência,
mesmo que eles sejam apenas o elementar, ou o de direito. Tudo parece urgente e
sem necessidade de significado.
O
índio e o espelho
O Brasil parece ser um dos países exemplo de
como ser superficial. A memória curta, o jeitinho que ainda predomina. A
cobrança das “irregularidades” dos políticos que os próprios cidadãos insistem em
cometer. O gasto e o empenho extremo em coisas superficiais e falsas
prioridades. O descaso oportunista. O subir no salto, trocado a toda hora, para
estar sempre na moda. Tudo é lucro. É ganhar em cima. Tudo é troca por
espelhos! A solução pode ser olhar profundamente estes espelhos. Olhar,
conhecer e entender o que nos move. E a partir disso explorar tudo que se pode
conhecer. Imagine um mundo baseado no escambo do que temos de melhor: do que
somos, do que aprendemos e estamos conhecendo. Até ultrapassar os limites de
onde um dia pensamos em chegar.
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